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O balé e a favela

O ensino da dança exige preparo, consciência e conhecimento na área de educação e, acima de tudo, compromisso social dos educadores

Nos últimos anos, tornou-se crescente o número de reportagens apresentando gloriosas experiências de bailarinos (proveniente de balé clássico) junto à população de baixa renda. O feito mais exemplar foi a abertura de uma filial da escola do Ballet Bolshoi em Joinvile, Santa Catarina. 

Lamentavelmente, as múltiplas iniciativas relacionadas ao ensino de dança a que temos assistido, muitas vezes cercadas de ótimas intenções, têm sido amplamente apoiadas por órgãos governamentais, fundações, associações e pela mídia, sem que se avalie com critério, crítica e fundamentação o que significa ensinar e trabalhar com dança no Brasil. 

A ingenuidade (no sentido utilizado pelo educador Paulo Freire) com que a dança ainda é abordada, tanto pelas media como pelo mundo educacional e acadêmico, é um retrato fiel do descaso e da ignorância com que o corpo, a arte e a educação vêm sendo tratadas ao longo dos séculos em nossa sociedade. 

É o que acontece quando artistas sem qualquer reflexão educacional ou didática e, às vezes, até mesmo sem qualificação na própria área de dança, resolvem subir os morros ou entrar nos centros educacionais para “levar” à população “carente” a “Arte do Balé”. À primeira vista, poderíamos ter a ingênua impressão de que esta Arte, tradicionalmente de elite e reservada às meninas brancas de classe alta, está sendo “democratizada”, dando-se oportunidade às massas de “sonhar”, “descobrir seus talentos”, “apropriarem-se da cultura dominante”, “terem um lugar ao sol”. Não é bem assim.

Não se trata, absolutamente, de negar à população de baixa renda acesso a uma arte que faz parte da cultura ocidental da dança, tampouco de pregar um nacionalismo exacerbado em relação à dança no Brasil (no qual só poderíamos dançar e ensinar as danças populares nacionais). Não podemos, no entanto, deixar de nos perguntar, quando ensinamos, incentivamos e, principalmente, patrocinamos com verba pública atividades como estas, qual o sentido e a relevância pessoal, cultural e, principalmente, social destas iniciativas. 

Por trás de um ingênuo “plié”, de uma pirueta ou de um “grand jeté” (passos do balé), estão valores culturais, sociais e políticos intimamente ligados à determinada classe social, gênero, etnia e nacionalidade das sociedades onde se originaram. Trabalhar com o balé clássico na periferia significa levar às crianças e aos jovens posturas, atitudes e comportamentos que muitas vezes contradizem, anulam e menosprezam valores e conquistas da sociedade brasileira contemporânea. É levar ilusão e não educação.

De todos estes valores, um dos mais preocupantes são os aprendizados em relação a gênero impregnados tanto nas formas de ensino quanto nos repertórios do balé. A sociedade brasileira escandalizou-se e reprimiu fortemente a “extravagância” da sexualidade borbulhante veiculada através das danças de TV, dos bailes das ninjas do funk. A objetificação da mulher por meio da dança foi contestada de todas as formas possíveis. Por outro lado, não nos escandalizamos com a mesma veemência com a assexualidade e a passividade que o balé imprime nos corpos de nossas meninas. Não achamos ruim que aprendam a calar, que troquem suas vidas pessoais pela “Arte”, que se tornem “material humano” do coreógrafo adulto. Ao contrário, calamo-nos diante desta situação e, em muitos casos, até incentivamos estas posturas.

Já são muitos autores em todo o mundo, inclusive ex-bailarinas, que denunciaram criticamente o mundo do balé clássico. São incontáveis as histórias de meninas, com seus corpos e personalidades em formação, que se submeteram ao puro adestramento do corpo, à tortura das balanças, aos ensaios sem fim, às exigências dos “corpos ideais” que devem ter as bailarinas clássicas. O professor, o espelho, as fotos de bailarinos famosos pregadas nas paredes, tornam-se referências externas que dizem pouco e se relacionam quase nada à vida concreta de mulheres que vivem na pobreza e nas condições precárias da urbe. 

Por trás da “necessidade de disciplina corporal” escondem-se e aprendem-se a submissão, a competição, o auto-flagelo, a falta de iniciativa própria, a incapacidade de resolver, criar, optar e construir relações conscientes e sensíveis com seus corpos, consigo próprias e com o mundo. 

Paradoxalmente, o balé clássico, entendido pelo senso comum como uma arte altamente feminina, acaba imprimindo e ensinando aos corpos de nossas meninas posturas machistas como o controle externo, a competição sem limites, a rigidez, a impiedade e o racionalismo que menosprezam a organicidade, a percepção, a consciência e o saber dos corpos. 

A menos que o balé seja ensinado criticamente, com preocupação explícita de entendê-lo corporal e intelectualmente dentro de um contexto histórico e social específico, estará também gerando mulheres que provavelmente serão incapazes de dar continuidade e de imprimir seus próprios ideais à luta maior de igualdade de direitos, respeito e participação da mulher na sociedade brasileira e no mundo. Este tipo de ensino exige preparo, consciência e conhecimento na área de educação e, acima de tudo, compromisso social dos educadores. Portanto, não é qualquer pessoa que pode ensinar dança – é necessário formação, estudo, reflexão e experiência pedagógica.

De boas intenções o mundo está repleto. Não podemos mais permitir que a ignorância em relação ao ensino de dança prepondere e continue reproduzindo um mundo que tem pouquíssimas possibilidades de contribuir para a formação de crianças e jovens. Acima de tudo, precisamos de um ensino de dança comprometido com o potencial criativo, construtivo e transformador que, certamente, está ausente das aulas de balé tradicional.


* Isabel A. Marques é doutora em Ensino de Dança pela USP. Autora do livro “Ensino de Dança Hoje”, e de “Dançando na Escola”, pela Cortez. Diretora do Caleidos Arte e Ensino (São Paulo, capital). caleidos@caleidos.com.br. tel 11 3021 7510.

Por Nastassia Astrasheuskaya

MOSCOU (Reuters Life!) - As maiores companhias de balé do mundo saíram de mãos vazias esta semana de um dos concursos de dança mais prestigiosos do mundo.

O júri do 19o evento anual "Benois de la Dance" premiou trabalhos de um casal belga e uma coreógrafa finlandesa, mas não deu prêmio algum aos balés do Bolshoi, o Balé da Ópera de Paris ou o American Ballet Theatre, no concurso realizado em Moscou esta semana.

"Posso afirmar que os balés clássicos, dos quais a Rússia tem o maior número, apresentados este ano não tiveram qualidade suficiente para representar o balé clássico de hoje", disse à Reuters o jurado Sergei Filin, diretor artístico do Balé de Bolshoi.

O prestigioso prêmio liderado pela Rússia, fundado em 1991 pela Associação Internacional de Dança e promovido sob o patrocínio da Unesco, atrai os melhores bailarinos e coreógrafos do mundo e ganhou fama de adotar uma abordagem incomumente liberal à dança.

Mas o júri multinacional não indicou um único coreógrafo russo este ano, e apenas um dançarino russo levou um prêmio para casa: Semyon Chudin, do Teatro Stanislavsky, de Moscou.

"Houve muita coisa feita aqui (na Rússia), mas nada de interessante", disse Yuri Grigorovich, de 84 anos, coreógrafo chefe do Bolshoi por mais de 30 anos, presidente do júri e fundador do prêmio.

As maiores companhias de balé do mundo ficaram para trás porque não dão lugar sobre seus palcos para o tipo de experimentalismo ousado que é valorizado pelo concurso, disseram jurados. Pior ainda, disseram, as maiores companhias de balé começaram a parecer-se umas com as outras.

"Nos 19 anos desde que o concurso começou, todas as trupes começaram a se assemelhar. Elas apresentam os mesmos coreógrafos: sempre Balanchine, sempre Forsythe", disse à Reuters a diretora artística do concurso, Nina Kudryatseva-Loory.   Continuação...